Mercado Almas de Freire: um dos tesouros escondidos do comércio tradicional!

Fomos visitar o Mercado Almas de Freire, em Santa Clara e temos várias coisas para dizer. 

Fizemos duas visitas. Na primeira alguns dos espaços comerciais estavam encerrados e por isso voltámos uma segunda vez e ainda bem que o fizemos… Mais à frente explicamos porquê. 


Mas se o leitor não vive nem costuma frequentar a zona de Santa Clara é natural que nunca tenha ouvido falar deste Mercado. Verdade? Mas não se preocupe, antes de começar fazemos uma breve apresentação. 

O Mercado Almas de Freire, localizado no coração de Santa Clara, mesmo ao lado da Escola Primária EB1 com o mesmo nome, iniciou a sua atividade nos anos 80 e desde então tem mantido o espírito do verdadeiro mercado tradicional, onde a proximidade entre cliente e vendedor proporciona um atendimento personalizado. Aberto de segunda a sábado, serve essencialmente a população de Santa Clara. 

Fizemos a nossa primeira visita numa manhã bonita de sol de Inverno e mal chegámos não pudemos deixar de reparar que, embora estivessem poucos espaços comerciais abertos, havia três ou quatro pessoas que por ali estavam não a comprar mas a conviver com os proprietários dos negócios. Viemos a perceber ao longo da manhã que são visita assídua e que todos os dias passam por ali muito mais para dar dois dedos de conversa do que para comprar. Estamos no mercado tradicional e aqui há tempo e espaço para se criarem laços e relações com os clientes ao longo dos anos. 

Começámos por conversar com a D. Lídia da Florista Lídia que está no Mercado há 36 anos e antes dela já a sua mãe estava com uma loja de brinquedos, artesanato e papelaria. Quando a mãe saiu do mercado, a D. Lídia veio mas alterou o ramo de negócio. Começou com as plantas e atualmente são as flores e plantas que preenchem os seus dias. Já reformada, mas sem vontade de abandonar o local para onde vai diariamente há quase quatro décadas, a D. Lídia diz que não se pode queixar da falta de clientes. Claro que já houve tempos de maior fluxo de pessoas mas a amizade entre os colegas do Mercado e o carinho pelos clientes que mesmo de outras zonas da cidade vão de propósito a Santa Clara para lhe comprar flores fazem com que a sua vontade de se retirar e ir para casa seja muito pequena, pelo menos para já. 

De seguida fomos à Loja da Belinha falar com a sua simpática e carismática proprietária, a Belinha que está no Mercado há 30 anos com uma pequena interrupção por motivos de saúde. Mas pasme, tal como nós, com a versatilidade da Belinha… começou com uma banca de jornais, depois teve um clube de vídeo, de seguida quando os clubes de vídeo começaram em queda abriu uma Loja dos 300. Quando regressou ao mercado depois da sua breve ausência abriu Têxteis Lar que mantém até hoje. A Loja da Belinha tem fatos de treino para criança, roupa de senhora, colchas para a cama e muito mais…. Mas o que a Loja da Belinha tem principalmente é muito carinho e tempo para ouvir e conversar com quem a visita. Diz-nos que a maioria das “clientes” se é que podemos chamar assim, vão até à sua loja apenas para conversar e, por isso, até tem uma confortável cadeirinha para se poderem sentar e dar dois dedos de conversa. “É muita solidão, diz-nos”. Mas logo de seguida remata, “mas eu gosto, adoro conversar com elas”. Mas não pense o leitor que a Belinha não vende também. Uma verdadeira caixinha de surpresas, confidencia-nos que vende, e muito, através das redes sociais. Habituou-se nos confinamentos e mantém esta estratégia de venda até hoje. 

De seguida a Belinha levou-nos a conversar com a “vizinha” Claúdia, da Loja O Quintal, que está no Mercado há 10 anos e tem uma mercearia e loja de alimentação para animais. Recorda que há 10 anos o fluxo de clientes era maior mas mesmo assim é com otimismo que vê o futuro no Mercado. Os seus clientes são pessoas mais velhas que tal como na vizinha Belinha vêm muito mais à procura de companhia e de fugir da solidão do que para comprar. Enquanto conversávamos entrou uma senhora que, juntamente com o marido, passa as manhãs no Mercado com estas simpáticas anfitriãs. Se isto não é a essência do Mercado Tradicional então não sabemos o que será.  

Quando terminámos estas conversas tão boas era já perto da hora de almoço e a Belinha, a D. Lídia e a Cláudia estavam a preparar o almoço para as três e convidaram uma das senhoras que passou a manhã por ali para se juntar. Com esta imagem viemos embora com a certeza de que o Mercado Almas de Freire é muito mais do que um Mercado e que tudo isto é muito mais sobre pessoas, tempo e amizade do que sobre flores, têxteis-lar ou frutas e legumes. 

Voltámos então uma segunda vez ao mercado. Nesta segunda visita encontrámos mais espaços comerciais abertos mas também já nos sentimos mais “da casa”. A Belinha deu-nos logo um caloroso Bom dia e apressou-se a apresentar os comerciantes que não estavam na última visita. 


Fomos então atrás do cheiro a Frango de Churrasco e mesmo no fundo do mercado encontrámos o Sr. Carlos, atual proprietário da Churrasqueira de Santa Clara. Diz-nos em tom de brincadeira que tem a “churrasqueira mais escondida de Coimbra” mas não é por isso que não está satisfeito com o negócio ou a localização. “É como todos os negócios, uns dias melhores  outros piores, mas pelo menos aqui ainda podemos contar com a ajuda da Rainha Santa”. E é neste tom divertido que nos despedimos do Sr. Carlos e vamos falar com mais um dos comerciantes deste Mercado que nos surpreende mais e mais a cada conversa. 

Chegámos agora à loja da Dona Alda ou para sermos rigorosos às lojas da D. Alda. Uma de reparação de calçado e uma segunda loja de roupas. No que toca ao calçado, aprendeu o ofício com o pai e desde os 18 anos que é esta a sua profissão. A loja de roupas apareceu numa fase em que o negócio estava em quebra e precisava de uma forma de subsistir. Lembrou-se então de ficar com uma segunda loja e abrir outro ramo. Não está arrependida. Agora divide os seus dias por estes dois universos e está satisfeita, “gosto de trabalhar e desde que seja um trabalho digno, temos de trabalhar”, diz-nos. É com orgulho que partilha que tem clientes fiéis há vários anos e que vêm de todo o lado para deixar calçado a arranjar. Longe ainda de pensar em ir para casa, a D. Alda espera estar ainda muitos e bons anos no Mercado porque tal como em todo o lado já viu dias melhores e de mais movimento mas não tem dúvidas de que este não é um problema exclusivo do Mercado Almas de Freire. “Há uma quebra mas está por todo o lado, não é só aqui”.

Já o Sr. Francisco, da Peixaria Anísio tem uma opinião diferente. O negócio está mau e o desânimo tem tomando conta dos seus dias. Não fecha a Peixaria pelo valor sentimental que tem para si e para o seu Pai que começou a vender no Mercado em 1983. “Fomos dos primeiros a montar aqui”, recorda. Atualmente divide o seu tempo entre esta banca no Mercado Almas de Freire e uma banca no Mercado D. Pedro V mas é com saudade que lembra os tempos em que o negócio corria melhor em Santa Clara. Depois chegaram as grandes superfícies e o negócio nunca mais foi igual. “Estou a lutar e a lutar muito, muito para manter aqui o negócio do meu pai”. Uma conversa dura mas que também é o espelho do que se passa no comércio tradicional. 

Por fim e mesmo a calhar para levantar o ânimo e o otimismo fomos conversar com a simpática Ana, “a mais recente aquisição do mercado”. Aquando da nossa conversa estava no mercado há três dias. A Ana vive em Miranda do Corvo mas não tem dúvidas de que Santa Clara foi o sítio certo para se estabelecer com o seu gabinete de estética e unhas. Ainda nos trouxe uma boa novidade e há uma amiga sua que vai abrir um negócio na banca do lado.  Ou seja, há vida a nascer no Mercado Almas de Freire, o comércio tradicional pode até estar ferido mas está muito longe de estar morto e foi isso que constatámos nestas duas visitas a um Mercado que quem não conhece pode pensar que está esquecido mas que depois de entrarmos percebemos que há muito a acontecer naquele espaço, bem no coração de Santa Clara.  

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