Exposição «Nem Musa, Nem Sombra», no Estúdio 1 (7.º piso, Edifício Avenida)

Um gesto de reconhecimento e reparação para todas as mulheres que fazem o cinema existir, muitas vezes sem serem vistas. Imagens e testemunhos que afirmam trajetórias, experiências e o direito de pertença.

No âmbito da 31.ª edição do Caminhos do Cinema Português, inaugura no dia 15 de novembro, às 15h, a exposição «Nem Musa, Nem Sombra», no Estúdio 1 (7.º piso, Edifício Avenida). A mostra permanecerá aberta ao público, mediante marcação, durante todo o festival, celebrando e dando visibilidade às mulheres que constroem o cinema e o audiovisual em Portugal — diante e atrás da câmara.

Com curadoria de Tathiani Sacilotto (produtora), a exposição reúne retratos e testemunhos de mulheres que ocupam um amplo espectro de funções na cadeia cinematográfica: das que olham pela câmara às que produzem, das que iluminam às que realizam, das que tomam notas de continuidade às que desenham cenários, das que programam às que vivem a cena, das que escrevem às que contam o cinema com palavras — mulheres que fazem o cinema existir. Profissionais que continuam a abrir caminhos e a disputar espaços num setor historicamente marcado pela desigualdade de género.

Ao iniciar a preparação da exposição, Tathiani Sacilotto pensava estar a prestar homenagem a essas mulheres que, como ela, trabalham no cinema; mas o processo trouxe à superfície a sua própria trajetória como mulher imigrante num meio ainda marcado por assimetrias. «Ingenuamente, depois de mais de 20 anos em Portugal, tinha esquecido o meu próprio percurso no cinema — as roupas trocadas antes de uma reunião para parecer mais profissional, o esforço para disfarçar o sotaque, os olhares entre homens em camaradagem ignorando a mulher produtora à mesa, ser apresentada como a mulher de… ou ser interrompida repetidas vezes», afirma a curadora.

Ao convidar outras profissionais para participarem, um padrão repetiu-se: muitas diziam não ter imagens suas a trabalhar. À insistência, surgiram histórias — histórias de mulheres que abandonaram o cinema por falta de oportunidades; de mães solo que suspenderam carreiras; de quem enfrentou assédio e o sentimento de não pertencer; de quem foi silenciada, paga abaixo do justo, discriminada pela cor da pele, pela nacionalidade ou pelo género.

Um desafio curatorial e político

Na conferência de imprensa de apresentação da programação do festival, João R. Pais salientou que as submissões deste ano revelaram «uma forte presença de temas ligados ao feminino». E foi o pouco conhecimento público sobre muitas das funções técnicas e criativas no cinema que levou à ideia desta exposição onde «é dado destaque ao trabalho das mulheres nesses lugares.»

A exposição reúne contributos de mais de 50 profissionais de diversas origens, formações e gerações, evidenciando o pulso plural e vital que sustenta o cinema português contemporâneo.

Das mulheres participantes na exposição , ouvem-se ecos de resistência, ternura e reivindicação. Há quem lembre que «agora é hora de compreender mais para temer menos», quem afirme, com simplicidade e rigor, que «o mais importante num filme são as pessoas que o fazem» , e quem reconheça que «o essencial é invisível aos olhos» — sobretudo quando o trabalho permanece fora de campo. Outras revelam o cansaço e a persistência: «às vezes penso que um dia não será possível fazer isto», ou confessam a dificuldade de até existir na imagem: «foi difícil achar uma foto minha em contexto de trabalho… talvez isso fale bastante da invisibilidade» Há quem insista, como gesto de afirmação, que «insisto, logo existo!», e quem veja no cinema a memória viva de um país: «cinema é memória».  Outras recordam a potência política do gesto criativo — «a revolução é todo dia e em todo filme» — e a necessidade de transformar o íntimo em forma: «o cinema é o lugar onde transformo o íntimo em imagens de movimento». Juntas, as vozes compõem um coro que exige espaço, autonomia e permanência: uma afirmação coletiva de que fazer cinema é trabalho, arte e território de luta — e que estar nele, visível, é já um ato político.

Lista de participantes (em atualização): Alexandra Ramirez, Ameli Borges, Ana Almeida, Ana Costa, Ana Isabel Strindberg, Ana Mariz, Anna da Palma, Beatriz Simões, Carine Panigaz, Carolina Dias, Catarina Alves Costa, Catarina Neves Ricci, Chayanna Ferreira, Cláudia Carvalho, Claudia Rita Oliveira, Cleia Almeida, Cristina Reis, Diana Andringa, Diana Neves Silva, Eva Queiroz de Matos, Filipa Queirós, Inara Chayamiti, Isabel Ruth, Joana de Sousa, Joana de Verona, Júlia Duarte, Laura Gonçalves, Leonor Noivo, Leonor Silveira, Leonor Teles, Lídia Mello, Lou Loução, Luciana Fina, Luisa Bebiano, Luísa Sequeira, Maíra Zenun, Mina Andala, Nevena Desivojevic, Paula Cosenza, Pocas Pascoal, Priscila Brasil, Raquel Freire, Raquel Ralha, Rita Alcaire, Rita Barbosa, Rita Sousa Rêgo, Rosa Coutinho Cabral, Sandra Castiço, Sofia Marques, Sónia Costa, Stella Zimmerman, Susana Sousa Dias, Tota Alves, Verena Puttrich e Vitória Catarino.

 

De 15 a 22 de novembro, o Caminhos do Cinema Português decorre em Coimbra, Benfica (Lisboa), Penacova e Mealhada, com 63 sessões e mais de 110  filmes, celebrando o que de mais vivo e urgente se faz no cinema português e nas suas ligações ao mundo. Mais informações em caminhos.info.

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