NAPEEC : “Iémen – A crise descartável”

Num momento em que o Mundo observa perplexo a crise humanitária que eclodiu no território ucraniano como consequência da invasão Russa, simultaneamente ouvimos repetidamente falar sobre a intervenção da Comunidade Internacional com os seus ‘fundos de apoio económico e financeiro’ à Ucrânia e com os severos pacotes de sanções ao Governo Russo – no entanto, a situação que temos presenciado revela-se oportuna ao possibilitar relançar o debate sobre se apenas determinados conflitos afetam realmente a agenda Internacional ocidental. Existiram crises “descartáveis”?

            No extremo Sudoeste da Península Arábica deparamo-nos com o Iémen, um país com uma extensão de 527 968 km² e com uma população de aproximadamente 30.5 milhões de pessoas, que desde 2015 vive atormentada por uma violenta guerra civil, sem sinais de abrandamento. Segundo dados oficiais divulgados pela Organização das Nações Unidas, atualmente, 13 milhões de pessoas necessitam de assistência alimentar, 17.4 milhões de Iemenitas sofrem de subnutrição, 1.3 milhões de grávidas ou a amamentar e 2.2 milhões de crianças requerem tratamento para a desnutrição aguda, enquanto que 16 milhões de pessoas e 8.47 milhões de crianças anseiam por acesso a água potável, cuidados de saneamento e higiene – para colocar sob perspetiva, se no Iémen apenas vivessem 100 pessoas, 80 necessitariam de assistência humanitária, 66 não teriam acesso a alimentos, 67 não teriam água potável, 59 requereriam acesso a cuidados de saúde e 11 estariam gravemente subnutridas.

            Numa guerra civil de fortes contornos internacionais, naquilo que nada mais é do que um tabuleiro de xadrez para estados como a Arábia Saudita e o Irão num esforço pelo aumento do poder na região – uma autêntica proxy war do século XXI – os valores da tão aclamada Ordem Internacional liberal são postos em causa seja pelo padrão de intervenções militares passadas, seja pela incapacidade de solucionar aquilo a que grande parte dos especialistas rotula em 2022 como sendo a pior crise humanitária nas últimas décadas. Há, contudo, que se realçar que a guerra é apenas um dos vários problemas que o país enfrenta neste momento – os baixos níveis de acesso a cuidados de saneamento e higiene estabeleceram as condições necessárias à propagação de doenças como a Cólera, a Difteria e recentemente a Covid-19 (estimando-se que 1 em cada 4 infetados com a SARS-CoV 2 no Iémen sucumba ao vírus). O quadro Iemenita não é favorável, uma economia arruinada onde os preços de alimentos básicos estão 150% mais altos do que há 9 anos, a pior crise humanitária a nível Mundial e uma guerra civil entre Houthis e a Aliança Internacional liderada pela Arábia Saudita, onde ambos buscam agressivamente o poder somando o apoio internacional insuficiente, não bastará apenas a intervenção de Organizações Internacionais como a UNICEF (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância) e o PAM (Programa Alimentar Mundial), tendo-se que aumentar urgentemente o financiamento à resolução do conflito enquanto, simultaneamente, se procurar promover a paz através da condução de conversações entre ambos os lados beligerantes, como se tem positivamente desenvolvido recentemente na Suécia, segundo o enviado especial para o Iémen da ONU. No entanto há que mencionar o compromisso da doação de 1.3 mil milhões de euros dos 4.3 mil milhões necessários, alcançado no passado dia 16 de março, em Genebra, na Conferência sobre o Iémen da ONU.

            Em suma tal e qual como na Ucrânia, também no Iémen se sofre com o terror e os crimes de Guerra – ao longo do conflito ambas as fações beligerantes foram acusadas pela Human Rights Watch de cometerem possíveis violações do Direito de Guerra, seja pelo ataque a campos de deslocados, seja pelo bombardeamento em áreas densamente povoadas ou até mesmo pelo impedimento da intervenção de ajuda humanitária – no entanto, onde estão os vastos fundos monetários de apoio? Onde está a divulgação mediática da crise humanitária? As campanhas de angariação de bens e doações? O caso Iemenita revela-se como sendo um de vários exemplos que talvez poderão acender a discussão sobre as verdadeiras intenções da Comunidade Internacional e a Ordem Internacional que regula a mesma, ao possivelmente por vezes priorizar certas vidas humanas a outras, colocando assim em causa os valores pelos quais se rege e procura expandir.

            “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” - Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

 

Texto de: José Machado, membro do NAPEEC

COIMBRAEXPLORENAPEECComentário